Abel Tesfaye 'mata' The Weeknd em 'Hurry Up Tomorrow', álbum ambicioso que peca pelo excesso
01/02/2025
Disco com Anitta, Travis Scott e Lana del Rey marca fim do alterego do cantor. Álbum revisita sons antigos e tem boas músicas, mas perde impacto pela duração; leia análise do g1. The Weekend chegou ao fim? (g1 ouviu)
“Tudo que eu tenho é meu legado / Estou perdendo a minha memória / Não há vida após a morte, não há outro lado / Estou sozinho quando tudo acabar”, canta The Weeknd ao abrir o álbum “Hurry Up Tomorrow." O ambicioso disco, lançado nesta sexta (31), marca o ato final dele após 14 anos como The Weeknd.
Essa não é bem uma aposentadoria - é mais um ato teatral. Com o disco, Abel Tesfaye (nome verdadeiro do cantor) “mata” The Weeknd, seu alter ego que representa seu lado mais sombrio e autodestrutivo, para adotar outra identidade e usar o próprio nome.
"Quando é o momento certo para sair, se não no seu auge? Quando você entender demais quem eu sou, então é hora de mudar", disse The Weeknd à "Variety" neste ano.
The Weeknd já vinha "morrendo" há anos. Começou no álbum “After Hours” (2020), que fala de decadência; seguiu por ”Dawn FM”, sobre purgatório; e encerra agora, em “Hurry Up Tomorrow”. Com participação de Travis Scott, Anitta, Florence and The Machine, Lana del Rey e mais, o disco derradeiro de Weeknd revisita toda a trajetória e os principais temas da carreira dele, uma espécie de avaliação pós-vida e pré-renascimento.
Mas se por um lado, as grandes ideias colocaram The Weeknd no patamar em que está hoje, também são o maior problema desse disco. “Hurry Up Tomorrow” é grandioso, mas se perde na megalomania; parece que Abel teve tanta vontade de criar sua obra prima, que não soube a hora de parar.
Capa de 'Hurry Up Tomorrow', de The Weeknd
Reprodução
A quebra entre Abel e Weeknd
“Hurry Up Tomorrow” é um megaprojeto: além do disco, The Weeknd lançará um filme estrelado por ele mesmo e os atores Jenna Ortega e Barry Keoghan (previsto para maio). Segundo a "Variety", assim como o álbum, o filme será uma fábula em torno da fama, paranoia, solidão e decadência.
Além disso, ambos farão referência a um show em Los Angeles, em 2024, interrompido abruptamente depois que o cantor teve problemas com a voz. Na data, visivelmente abalado, Weeknd pediu desculpas e abandonou o palco (o que aparece em “I Can’t Fucking Sing”, interlúdio do novo disco).
The Weeknd
Reprodução
O episódio é simbólico na carreira dele: representa as dificuldades com a própria voz, o momento em que a pessoa física atrapalha a persona artística, e vice-versa. Ao longo do disco, Abel procura quebrar essa separação, refletindo sobre como o vício em drogas, a relação com a família e até a persona em cima do palco afetaram uma mesma pessoa. Para os fãs da melancolia de The Weeknd, tem sofrimento de sobra.
De volta aos 'Weeknds'
Dizem que, antes de morrer, nós revemos toda a nossa vida em um "flash". É mais ou menos o que The Weeknd faz aqui, revisitando as sonoridades que marcaram toda a sua carreira. Há o R&B melancólico, com elementos de trap ("Given Up On Me"); sintetizadores grandiosos e efeitos à la Daft Punk ("Big Sleep"); e a produção oitentona que virou sua marca registrada nos últimos anos ("Open Hearts").
Esse é The Weeknd em sua forma original, incluindo sua habilidade com hits. Dá para imaginar as faixas “Wake Me Up” e “Open Hearts” nas rádios, ainda que nenhuma delas tenha o efeito de "Blinding Lights" de 2020.
Com direito a sample até da trilha de "Scarface" (em "Wake Me Up"), as produções mantêm um clima etéreo que atravessa o disco. Várias dessas músicas já tinham sido apresentadas no show exclusivo em São Paulo, em setembro. Mas o conjunto faz as faixas crescerem, com interlúdios e transições - mesmo o funk "São Paulo", com Anitta, não é tão brusco no todo.
Além de pensar nas faixas como parte de um álbum, "Hurry Up Tomorrow" é pensado como parte da discografia. Prova disso é a faixa-título, última do disco, que fala sobre querer mudar e querer ir para o céu. No final, o som da música se amarra perfeitamente ao início de "High For This", a primeira faixa lançada por The Weeknd em sua carreira.
Álbum para os fãs (e para si mesmo)
Com 22 faixas, “Hurry Up Tomorrow” tem de fato a duração de um filme (uma hora e 24 minutos). É uma obra praticamente cinematográfica, com direito a efeitos sonoros de bebida e mensagens de voz de uma mulher preocupada. Uma espécie de thriller sombrio, com muitos versos tristes.
The Weeknd em show em São Paulo, em 7 de setembro de 2024
Reprodução/YouTube
No sentido comercial, é bom ter tantas faixas no disco, mas esse não parece ser o intuito. A sensação aqui é que The Weeknd só queria caprichar. É difícil pensar em outro popstar masculino atual que se preocupe em criar projetos tão grandiosos, megalomaníacos, até. Não seria diferente em sua despedida.
"Ninguém pensou que eu passaria dos vinte e quatro / E quando as cortinas se fecharem, espero que você chore / E se não fizer isso, espero que você aproveite o show", canta ele em "Enjoy the Show".
Infelizmente, ele peca pelo excesso. Na segunda metade do disco, as produções começam a soar cansativas e deixam de ter o impacto do "grand finale". Há letras, camadas e histórias suficientes para os fãs se esbaldarem, claro. Mas para o público geral, o álbum vai perdendo a força.
No todo, "Hurry Up Tomorrow" é o álbum que The Weeknd quis fazer, praticamente sem concessões. Não é aquele projeto maduro e conciso de alguém que se despede - na verdade, mostra que Abel tem tantas ideias que não quer realmente parar. Só mudar de nome.